
Outro dia tive o ensejo de assistir a uma emissão da TVEspanhola sobre Portugal. Dos sessenta minutos de programa cinquenta e cinco retrataram um país em franca dissolução: contas públicas em pessímo estado, mal uso dos famigerados "fundos estruturais" da CE/UE, fábricas a fechar e sectores de actividade desaparecidos por completo, agricultura e pescas a definhar, crescente dependência do estrangeiro, baixíssimo nível de instrução e profissionalização, irrisórios níveis de investimento em investigação, desertificação do interior e super-povoamento nas duas principais cidades do litoral, com o descalabro do desmatamento e da construção descontrolada, etc. Inseridos de tempos em tempos apareciam alguns luminares de sorrisos alvares que debitavam primores como: "Portugal é uma continuação de Espanha", ou "O povo português é ciclotímico: se agora está deprimido, durante a Expo-98 andava eufórico", ou "A Fátima Lopes desenhou a roupa da selecção e quase ganhámos", ou ainda "O Bill Gates vai transformar Portugal num
Silicon Valley" - ou algo no estilo, etc. Ah... e se tudo anda mal, a culpa é do governo anterior ou, o que é ainda melhor... do "antigamente". Volta e meia referia-se o contraste entre um sector de actividade, hoje minguado ou eliminado, e a sua situação pujante de há mais de trinta anos - naturalmente sem mencionar que a "pujança" correspondia ao tempo da outra Senhora. A bem da verdade cumpre acrescentar que os restantes cinco minutos serviram para falar da AutoEuropa e de dois ou três casos de excepção, na cortiça, nos têxteis e nos calçados - importantes e exemplares, sem dúvida, mas grãos de areia nesta praia tresloucada. Um último detalhe: em nenhum instante ouviu-se menção de algum valor transcendente. Pátria? Nação? Identidade? Projecto nacional?
No comprendo, amigo... Quando aí for vou saltar do avião com óculos escuros, pois não desejo deixar-me cegar pelo esplendor de um presente tão exitoso e de um futuro tão promissor.