quarta-feira, janeiro 11, 2006

Apogeu e Decadência


A Argentina é um país curiosíssimo. Em apenas trinta anos, de 1880 a 1910, logrou-se transformar a pampa húmida dos gauchos em um dos países mais ricos, mais cultos e com um dos mais elevados níveis de vida em todo o mundo. Quem tem a oportunidade de visitar Buenos Aires agora, já profundamente alterada por décadas de crisis de todos os tipos e magnitudes, ainda vai maravilhar-se com a beleza, a elegância e a grandiosidade do que restou dos palácios, prédios públicos e privados, parques, jardins, tudo à imagem e semelhança de Paris. Por momentos o visitante sentir-se-á na velha Europa de outros tempos: livrarias em cada esquina, cafés decorados com boiseries e alabastro, confeitarias de ambiente parisiense ou deliciosamente Mitteleuropa; grande oferta de concertos, ópera e ballet; gente vestida a preceito, muitas vezes em flanela cinza ou tweeds.

Nos últimos anos do século XIX o producto per capita igualava os níveis obtidos na Alemanha, na Bélgica e na Holanda, superando a França, a Itália e a Espanha. Em 1914 o ordenado médio de um trabalhador industrial na capital argentina era 20% superior ao do seu homólogo de Paris. Por esta altura um em cada três habitantes de Buenos Aires era imigrante – a vasta maioria italianos e espanhóis. Após a II Grande Guerra e graças à fortuna acumulada pelas vendas de carne e trigo aos beligerantes, o governo de Perón mete ombros à industrialização: em 1947, sob a orientação de engenheiros alemães, constrói-se o primeiro avião a jacto, um caça militar; desenvolve-se uma indústria petrolífera de grande porte; surgem fábricas de automóveis que, ao longo dos anos, atingem o número de dez; fabrica-se o primeiro computador da Iberoamérica; domina-se a tecnologia nuclear; produzem-se navios, locomotivas e maquinária sofisticada.

A Argentina de hoje está em pantanas. A indústria, em sua maior parte, esfumou-se – ou foi substituída pela brasileira, a única no mundo a contar com mercado cativo. A Argentina dos europeus que para cá se dirigiam a fazer a América apresenta neste momento 50% de pobres, grande parte indigentes. Para tornar-se rica e desenvolvida a Argentina olhava para a Europa e para a América do Norte – alí dirigia-se a buscar inspiração, exemplo, companhia e negócios. Hoje, pobre, a ostentar o título de única sociedade que transitou do desenvolvimento ao subdesenvolvimento, o país estupidamente contenta-se em buscar o seu role model no Brasil do analfabeto sr. Silva, o qual está literalmente a devorar o que restou da economia argentina.

Tendo sido objecto de investigações académicas pela rapidez e qualidade de seu processo de desenvolvimento, o país dos Argentinos voltou a sê-lo, desta vez pela rapidez e qualidade do seu processo de subdesevolvimento.

Ésta é a dupla excepcionalidade argentina.

Um excelente ensaio sobre o apogeu e a decadência do país do tango é justamente La Excepcionalidad Argentina, Auge y Ocaso de una Nación, por Vicente Massot, Ed. Emecé, Buenos Aires, 2004.

Se cambiarmos “Ultramar” por “Europa/América do Norte/Indústria” e “Espanha/União Europeia” por “Brasil” encontramos uma interessante semelhança entre os itinerários da decadência de Portugal e da Argentina. Nacional-masoquismo? Inclinação para o suicídio colectivo? Bom... isto já é tema para uma próxima conversa.

1 Comments:

At 10:09 da manhã, Blogger Miles said...

Uma leitura a ter em conta para se compreender o que sucedeu àquele que chegou a ser o terceiro país mais rico do mundo, e que nos anos 3o, por exemplo, tinha o maior número de automóveis em circulação a seguir aos EUA.
Pela minha parte, acrescentaria que os escritos políticos do Padre Leonardo Castellani ajudam a compreender o sucedido, bem como parte da obra de Hugo Wast...

 

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