quarta-feira, outubro 18, 2006

"17 de outubro" peronista



O ¨17 de outubro¨ é data sagrada na liturgia peronista. Considera-se que o peronismo surgiu oficialmente com a gigantesca mobilização de massas que, a 17 de outubro de 1945, obteve a liberdade do então coronel, ex-ministro do trabalho-cum-ministro da guerra-cum-vice-presidente, para a seguir ovacioná-lo na emblemática Plaza de Mayo. Meses depois Perón elegia-se presidente com abrumadora votação - o que viria a repetir-se por duas vezes mais. Pois ontem, 17 de outubro, realizou-se o tão esperado traslado dos restos de Juan Domingo Perón do cemitério da Chacarita, em Buenos Aires, ao mausoléu especialmente construído na localidade de São Vicente, a duas horas da capital, onde o leader justicialista e a "santa dos pobres", Evita, possuíam uma herdade. Obrigatória foi a "escala" simbólica na sede da CGT - Confederación General del Trabajo, a principal estructura sindicalista de respaldo ao general. Avenidas fechadas, banhos de multidão, bandeiras, palavras de ordem, papel picado, a marcha peronista cantada a plenos pulmões, cortejo kilométrico, etc. - tudo a decorrer em acalmia. Entretanto, quando, horas mais tarde, o féretro de Perón chegava aos jardins da propriedade, literalmente ocupada por muitos milhares de militantes, sindicalistas e populares, teve início repentino uma verdadeira batalha campal entre facções adversárias desta gigantesca "família" peronista. Cacetes, pedras, facas e pistolas foram impiedosamente utilizados pelos bandos inimigos. As lamentáveis cenas lembraram o "massacre de Ezeiza", ocorrido próximo ao aeroporto internacional em 1973, aquando do regresso do general à Argentina, após dezoito anos de exílio. Neste dia, no meio de uma concentração de pelo menos dois milhões de pessoas, dá-se o enfrentamento entre as extremas esquerda e direita do movimento peronista, o qual deixou um saldo de três centenas de mortos e feridos. O episódio de ontem lança novamente a luz sobre a natureza do fenómeno peronista, um movimento que abarca todas as tendências, todos os comportamentos, todos os valores - tudo e todos, qualquer coisa e o seu contrário. Põe a descoberto as profundas divisões e os ódios incuráveis, as ambições doentias de poderio, o populismo e a demagogia de exércitos de indivíduos que vivem e prosperam sob a invocação permanente do nome de Perón. Cada dia estou mais convencido de que o peronismo foi simplesmente o próprio Juan Domingo Perón. E de que, infelizmente, o "ódio" continua a ser o mau conselheiro de grandes sectores de argentinos.

1 Comments:

At 11:36 da manhã, Blogger Paulo Cunha Porto said...

Não esqueço o excelente livro que o Caríssimo Euro-Ultramarino me ofereceu, sobre o tema.
Abraço.

 

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